João Almeida
Opera Omnia, 2014, 56 págs., €9 Poesia
João Almeida (n.1965), um dos nomes menos
lembrados da sua geração, é justamente um dos mais singulares, até no que a sua
escrita possa ter de guerrilha poética assumida. Não será por acaso que um livro intitulado "As Condições Locais"
começa com o poema "Avaria nos Satélites": "Saímos para a rua/
Como se fôssemos os únicos livres/ Na cidade sitiada". Elipse, catarse e
denúncia - disto a que chamamos mundo - voltam a aliar-se, num registo tenso
inimitável: "Depois, cada vez mais longe/Acima dos sete mil metros/ Ao atravessar
a rua/ Vai perguntar em pânico ante o aborrecimento/ O que é isso do
mundo". Dir-se-ia, porém, que o registo elegíaco adquire aqui uma mais
áspera e intensa nitidez do que nos livros anteriores: "[ ... ] a poesia
morreu pela manhã/E o que vier à luz da boca/ Terá de
caminhar/ Sobre ruínas pontiagudas". Idêntico desencanto pauta os poemas
em que é mais evidente o diálogo com outras escritas, sejam elas a de Kavafis
("Os bárbaros chegaram/Governam com ferro e
pandemia") ou a de Joaquim Manuel Magalhães (interpelado em "Um Toldo
Vermelho"). Mas é talvez em "Melancolia", aqui virada do avesso,
que melhor se dá a ler a implacável radiografia da poética nacional, sem vénias
a ninguém e com um timbre tão rude quanto inclemente: "A volta
da fogueira regulamentar/Estão sentados oito ou nove poetas/Que se quisessern enlouqueciam/
E não enlouquecem//O calor da fogueira é cama larga/Não cagam até à circuncisão//Quando homens feitos ninguém os
atura/Com tanta sabedoria". Estamos em maio, longe dos inevitáveis
balanços literários, mas este é sem dúvida um dos grandes livros de poesia portuguesa
publicados em 2014.
Jornal "Expresso" - crítica de Manuel de Freitas - 10 de Maio de 2014
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