sábado, 17 de maio de 2014

Poeta João Salgado de Almeida no Expresso


João Almeida

Opera Omnia, 2014, 56 págs., €9 Poesia

João Almeida (n.1965), um dos nomes menos lembrados da sua geração, é justamente um dos mais singulares, até no que a sua escrita possa ter de guerrilha poética assumida. Não será por acaso que um livro intitulado "As Condições Locais" começa com o poema "Avaria nos Satélites": "Saímos para a rua/ Como se fôssemos os únicos livres/ Na cidade sitiada". Elipse, catarse e denúncia - disto a que chamamos mundo - voltam a aliar-se, num registo tenso inimitável: "Depois, cada vez mais longe/Acima dos sete mil metros/ Ao atravessar a rua/ Vai perguntar em pânico ante o aborrecimento/ O que é isso do mundo". Dir-se-ia, porém, que o registo elegíaco adquire aqui uma mais áspera e intensa nitidez do que nos livros anteriores: "[ ... ] a poesia morreu pela manhã/E o que vier à luz da boca/ Terá de caminhar/ Sobre ruínas pontiagudas". Idêntico desencanto pauta os poemas em que é mais evidente o diálogo com outras escritas, sejam elas a de Kavafis ("Os bárbaros chegaram/Governam com ferro e pandemia") ou a de Joaquim Manuel Magalhães (interpelado em "Um Toldo Vermelho"). Mas é talvez em "Melancolia", aqui virada do avesso, que melhor se dá a ler a implacável radiografia da poética nacional, sem vénias a ninguém e com um timbre tão rude quanto inclemente: "A volta da fogueira regulamentar/Estão sentados oito ou nove poetas/Que se quisessern enlouqueciam/ E não enlouquecem//O calor da fogueira é cama larga/Não cagam até à circuncisão//Quando homens feitos ninguém os atura/Com tanta sabedoria". Estamos em maio, longe dos inevitáveis balanços literários, mas este é sem dúvida um dos grandes livros de poesia portuguesa publicados em 2014.
                                                         
                        Jornal "Expresso" - crítica de Manuel de Freitas - 10 de Maio de 2014

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