domingo, 13 de março de 2011

Bom dia do Pi - 3/14

O dia mundial do número Pi celebra-se todos os anos a 14 de Março, já que no mundo Anglo-saxónico se escreve: 3/14. 

O texto seguinte foi extraído da obra "Contacto", de Carl Sagan.

"No sétimo ano andavam a estudar o “pi”. Era uma letra grega que lembrava a arquitectura de Stonehenge, em Inglaterra: duas colunas verticais com uma trave em cima: π. Medindo a circunferência de um círculo e dividindo-a depois pelo diâmetro do círculo obtinha-se o valor de “pi”. Em casa, Ellie pegou na tampa de um boião de maionese, passou-lhe um cordel à volta e com uma régua mediu a circunferência do círculo. Fez o mesmo ao diâmetro e dividiu um pelo outro. Obteve 3,21. Parecia simples.
No dia seguinte o professor, Mr. Weisbrod, disse que π era cerca de 22/7, aproximadamente 3,1416. Mas, na realidade, se se queria ser exacto, era um decimal que se prolongava indefinidamente sem repetir o padrão dos números. Indefinidamente, pensou Ellie. Levantou a mão. O ano escolar começara havia pouco e ela ainda não fizera nenhumas perguntas naquela aula.
- Como pode alguém saber que os decimais se prolongam indefinidamente?
- Porque é assim – respondeu o professor, com alguma rispidez.
- Mas porquê? Como sabe? Como se podem contar decimais indefinidamente?
- Mr. Weisbrod – o professor estava a consultar a caderneta da turma – essa é uma pergunta estúpida. Está a desperdiçar o tempo da aula.
Nunca ninguém chamara estúpida a Ellie e ela deu consigo desfeita em lágrimas. Billy Hortsman, que ocupava o lugar ao seu lado, estendeu bondosamente a mão e colocou-a sobre a dela. O pai fora recentemente acusado de praticar adulterações nos hodómetros dos carros que vendia e, por isso, Billy estava sensível à humilhação pública. Ellie fugiu da aula a soluçar.
Depois das aulas foi de bicicleta à biblioteca do colégio próximo a fim de consultar livros de matemática. Tanto quanto conseguiu depreender do que leu, a sua pergunta não tivera nada de estúpida. Segundo a Bíblia, os antigos Hebreus tinham aparentemente pensado que π era exactamente igual a 3. Os Gregos e os Romanos, que sabiam montes de coisas a respeito de matemática, não tinham a mínima ideia de que os dígitos de π se prolongavam indefinidamente sem se repetir. Tratava-se de um facto que só fora descoberto havia cerca de 250 anos. Como queriam que ela soubesse, se não podia fazer perguntas?
Mas Mr. Weisbrod tivera razão acerca dos primeiros dois dígitos. Pi não era 3,21. Talvez a tampa do boião da maionese estivesse um bocadinho amachucada, não fosse um círculo perfeito. Ou talvez ela tivesse sido descuidada ao medir o cordel. No entanto, mesmo que tivesse sido mais cuidadosa, não podiam esperar que medisse um número infinito de dízimas.
Havia, porém, outra possibilidade. Podia calcular-se pi tão exactamente quanto se quisesse. Se uma pessoa soubesse uma coisa chamada cálculo, poderia experimentar fórmulas para π que lhe permitiam calculá-lo até tantos decimais quantos o tempo lhe permitisse. O livro enunciava fórmulas para pi dividido por 4. Algumas delas não conseguia pura e simplesmente compreendê-las. Mas havia outras que a fascinavam:
π/4, dizia o livro, era o mesmo que 1- 1/3+ 1/5 - 1/7 + …, com as fracções a continuar indefinidamente. Sem perda de tempo, tentou pôr a fórmula em prática, adicionando e subtraindo as fracções alternadamente. O resultado saltava de maior do que π/4 para menor do que π/4, mas ao fim de algum tempo podia ver-se que esta série de números seguia em linha recta para a resposta certa. Nunca se podia lá chegar exactamente, mas era possível alguém aproximar-se tanto quanto quisesse, desde que fosse muito paciente.
Pareceu-lhe um milagre que a forma de todos os círculos do mundo estivesse conexa com aquela série de fracções. Decidiu aprender cálculo.
Mas o livro dizia ainda mais alguma coisa: chamava-se um número “transcendente”. Não existia nenhuma equação com números ordinários capaz de dar π, a não ser que fosse infinitamente longa. Ela já aprendera sozinha um pouco de álgebra e compreendia o que isso significava. E π não era o único número transcendente. Efectivamente, havia uma infinidade de números transcendentes. Mais do que isso, havia infinitamente mais números transcendentes do que números ordinários, apesar de π ser o único de que ela jamais ouvira falar. Em mais do que um sentido, estava ligado à infinidade.
Tivera um vislumbre de algo grandioso. Escondida entre todos os números ordinários existia uma infinidade de números transcendentes de cuja presença nunca se suspeitaria a não ser que se penetrasse profundamente na matemática. De vez em quando, um deles, como o π, surgia inesperadamente na vida quotidiana. Mas na sua maioria – um número infinito deles, recordou a si mesma – estavam escondidos, metidos na sua própria vida, quase com certeza não vislumbrados pelo irritável Mr. Weisbrod."


 “Contacto”, de Carl Sagan, ed. Gradiva

Kate Bush - Pi

Se seguirem a ligação Viagem ao interior de Pi/O seu nome em Pi encontrarão informações muito interessantes sobre o número Pi.
Já agora, visitem a página do Atractor-Matemática Interactiva, da qual a "Viagem ao interior do Pi" é uma secção. Vale a pena!

 Sub-departamento de Matemática

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